Há 20 anos, quando começou a se maquiar, Nati Barbosa não encontrava produtos adequados para seu tom de pele, que é negro. Jéssica Barreto, que ingressou no mundo da pintura facial aos 13 anos, também enfrentou dificuldades. Ambas viam os rostos acinzentados ao ar itens de beleza que prometiam uniformizar a cútis. O problema, que se estende para outras áreas do corpo, como cabelo, ganhou nome: racismo cosmético.

O conceito, criado pelo jornalista, influencer e maquiador Tássio Santos, pode ser definido quando a indústria cosmética não oferece produtos adequados para atender às peculiaridades irrestritas dos consumidores. Especialmente, os de pele escura. "Se esse sistema perverso chamado escravidão moldou o Brasil e ainda se faz presente atualmente, com mercado de beleza não seria diferente", declarou o autor do livro "Tem minha cor? Quando se maquiar se torna um ato político". 

Na última década, esforços foram feitos para atenuar a desigualdade nada aparente, e grandes marcas têm investido na diversidade. Porém, o caminho é longo e árduo para preencher a falta de representatividade na indústria da beleza. Ainda mais, por se tratar de um país majoritariamente negro. Levantamento do Censo apontou que no Brasil há 144 tons diferentes de peles. Além das variadas cores, devido à miscigenação, outros fatores, como subtom, tipo e textura, precisam ser levados em consideração na produção dos produtos de beleza dedicados à derme. 

Maquiadora desde 2012, Nati Barbosa reconhece que hoje a oferta de produtos é maior. “Eu era modelo e, quando ia me maquiar com alguém de fora, tinha que levar meus próprios produtos”, lembra. Ela se especializou em pele negra justamente para ajudar outras mulheres pretas. “Teve uma evolução, apesar de que ainda há muito a evoluir. Hoje já temos uma gama de produtos bem melhor, percebo que tem empenho para atender a todos”, analisou.

Também atuando no ramo da maquiagem, Jéssica Barreto relembra: “ei por experiências desagradáveis devido à falta de produtos adequados para o meu tom de pele, o que reforçou minha determinação em garantir que outras pessoas não em pelo mesmo”.

Autor do livro "Tem minha cor?", Tássio Santos criou o conceito do racismo cosmético / Divulgação

Mais cores na cartela

Líder nacional na venda de cosméticos, a Avon expandiu, em 2020, sua cartela de maquiagem para atingir os brasileiros de pele retinta. “Fizemos um estudo profundo, especificamente com a população negra e parda do país. Detectamos que o tom de pele da brasileira é único”, aponta a diretora de marketing da marca, Juliana Barros. A pesquisa, conduzida por uma cientista e maquiadora especializada em pele negra, indicou que os tons avermelhados e amarelados dominam. “Chegamos em 20 tons e eles atendem à demanda, porque são os tons e subtons corretos, que abraçam realmente a população”, argumenta a representante da empresa.

A marca de beleza Bruna Tavares oferece 30 tonalidades de base em seu portfólio. "Em 2020, não havia nenhuma marca no Brasil com tabela grande. A partir daí, fizemos um estudo do zero, não tínhamos um ponto de referência, somente de marcas importadas. Não dava para seguir marcas importadas, porque os tons de pele são diferentes”, lembra-se a empresária e jornalista, que produz a linha de maquiagem que leva seu nome.

Atenta às necessidades do mercado - e dos consumidores -, a Natura lançou, em 2022, nova cartela de cores que contou com tecnologia para decodificar a pele das mulheres da América Latina. Atualmente, a marca conta com 24 tons, incluindo diferentes subtons. “É claro que, com tanta diversidade no Brasil, atender à imensa variedade de tons de pele e preferências individuais pode ser uma tarefa desafiadora. Por isso, seguimos fortalecendo nossos investimentos em pesquisa e desenvolvimento na maquiagem, para sermos capazes de oferecer sempre o melhor por meio dos nossos produtos, unindo inclusão, alto desempenho e tecnologia”, destaca Denise Coutinho, diretora de marketing e comunicação da empresa.

Tássio Santos destaca que, para além das bases, outros itens de beleza também precisam ser adequados para pessoas de pele retinta. “Nossa experiência precisa ser considerada no portfólio inteiro. E no dia que grandes grupos entenderem que diversidade pode ser um asset de vendas, eles vão se empenhar ainda mais”. 

Avon oferece 20 tons diferentes de maquiagem Crédito: Avon/Divulgação

Representatividade tardia

Professora e pesquisadora da Fundação Dom Cabral, Elisângela Furtado pondera, contudo, que ainda há muito a ser feito para combater o racismo cosmético. Segundo ela, o setor fomenta a desigualdade quando valoriza mais a pele branca e não atende ou atende, superficialmente, a população negra. "O racismo cosmético se dá pela falta de produtos adequados que atendam tanto a pele quanto o cabelo, ou pela oferta que não atende especificamente este público", pondera.

A especialista lembra que Fenty Beauty, marca da cantora americana Rihanna, foi a primeira do mundo a lançar, em 2017, a maior gama de base. "A partir disso, outras grandes marcas adotaram também uma cartela extensa de cores e começaram a incluir as necessidades específicas para pessoas negras em seus produtos", observa. O processo, porém, aconteceu de forma tardia.

Mais do que estética, o racismo cosmético pode afetar outras áreas da vida, alerta a psicóloga Pietra Alves. "A maquiagem impacta mais na autoestima do que no autocuidado. Porque, comumente, amos maquiagem para realçar o que achamos bonito. Quando não temos o a isso, mutilamos nossa autoestima".

Diretora da Natura, Denise Coutinho reforça que “a maquiagem não pode mais estar atrelada aos padrões estéticos. Ela deve ser um vetor de empoderamento, autoexpressão e bem-estar para todas as pessoas. É fundamental que as marcas se atentem aos impactos que padrões de beleza causam em nossa sociedade e busquem contribuir para uma transformação social positiva. Isso significa oferecer a melhor experiência aos seus clientes, também por meio de seus produtos. Especialmente, em um país com uma população tão plural em termos étnico-raciais como o Brasil. É essencial que o mercado busque ser mais representativo”, cobra a representante da Natura.

Bruna Tavares tem 24 cores diferentes de maquiagem Crédito: Bruna Tavares/Divulgação